Competição por um lugar na União Europeia aumentou nos últimos anos. Portugal corre o risco de perder representação, mas o número não diz tudo.
Os portugueses correspondem a 2,1% da população da União Europeia (UE), o que significa que para o país estar proporcionalmente representado nas instituições europeias, o número de funcionários portugueses deveria corresponder a essa percentagem. Só que tanto na Comissão Europeia como no Parlamento Europeu, a proporção é maior: 2,6% dos funcionários da Comissão e 4,2% dos funcionários do Parlamento são portugueses, colocando o país à frente da Finlândia, Suécia ou Áustria.
Na Comissão, a sobrerrepresentação é mais visível nos cargos superiores: três quartos dos colaboradores ocupam posições administrativas, onde as decisões políticas são tomadas.
Mais acima, nos altos cargos administrativos, 5,7% dos funcionários são portugueses, como se conclui no estudo europeu “Participação na tomada de decisões da UE: Portugal numa perspetiva comparativa”, de Richard Rose e Alexander Trechsel, apoiado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS). Partindo deste estudo, que servirá de base à conferência da FFMS (a realizar no dia 16 de maio, na Universidade do Minho), o Expresso publicará uma série de artigos até à próxima sexta-feira.
Hoje, dos cerca de 33 mil funcionários na Comissão, 875 são portugueses, dos quais 57% são homens e 43% são mulheres. Quase metade dos portugueses tem formação em Economia ou Gestão de Empresas e praticamente todos trabalharam em empresas do setor privado. Dois quintos eram funcionários públicos.
Três em cinco avançaram para a Comissão por sentirem um “compromisso político com a Europa”. Ter um salário melhor e mais segurança no emprego são aspetos mencionadas a seguir. São essas razões que explicam que países como a Alemanha estejam sub-representados: ou seja, o nível salarial atrativo e as oportunidades de emprego no país não empurram os cidadãos para fora, como acontece com Portugal.
Competir por um lugar
Nos últimos anos, aumentou a competição por um posto de trabalho na União Europeia, tanto na Comissão como no Parlamento, onde trabalham 358 portugueses. “A crise económica de 2008 não encorajou apenas os jovens portugueses a procurarem emprego no estrangeiro, mas também os jovens de outros países mais populosos com altas taxas de desemprego, como a Espanha e a Itália”, refere o estudo.
Um exemplo é o concurso para um posto administrativo em 2012: houve 45.356 candidatos, dos quais 3159 eram portugueses (7% do total). Foram colocadas em lista de reserva 233 pessoas (24 eram portuguesas), concluindo-se que mais de 99% dos portugueses que se candidataram não tiveram sucesso.
António Malta Reis passou por um processo de recrutamento semelhante para a Comissão, há cerca de dois anos. Foi admitido aos 28 anos para o cargo administrativo que hoje ocupa. Lembra que os testes de admissão foram “exigentes” e que o processo de seleção durou cinco ou seis meses. Formado em Medicina Veterinária, António foi incentivado pela orientadora da tese de mestrado para seguir para a Comissão. “O que me levou a candidatar foi o facto de perceber que a maioria das legislações e decisões na minha área de trabalho são tomadas em Bruxelas”, conta ao Expresso, por email.
Futura perda de presença
Haver muitos portugueses nas instituições da União pode significar pouco. “Não é assim que se mede a influência. Mede-se na capacidade de conseguir marcar a capacidade de iniciativa da UE”, aponta Viriato Soromenho Marques, professor catedrático da Universidade de Lisboa, especialista em assuntos europeus. “O que interessa é saber como é que as políticas são feitas. Quantas ideias portuguesas prevalecem?”
Também José Tavares, professor da Nova School of Business and Economics e membro do conselho consultivo deste estudo europeu, considera que o número de portugueses “não é, por si, algo que se traduza em benefícios para o país”. Como exemplo, aponta a Grécia e a Grã-Bretanha, que têm números semelhantes aos de Portugal. “Não será por isso que os interesses da Inglaterra estarão menos representados”.
O estudo conclui que é necessário ter em conta, no futuro, uma possível perda de peso dos portugueses nas instituições europeias, visto ser nos cargos mais elevados que estão concentrados. Quando esses funcionários se reformarem, e tendo em conta que o alargamento da instituição aumentou a competição para entrar nas instituições, Portugal poderá perder presença.
Viriato Soromenho Marques afasta, em parte, esse receio. “Desde que não se criem quotas por nacionalidade, haverá sempre portugueses a chegar a cargos. Mas isso não representa a presença de Portugal”.
O facto de países como a Roménia ou a Bulgária terem baixos rendimentos e muita população pode aumentar o número de concorrentes, reforça José Tavares, acreditando que Portugal possa vir a estar menos representado na administração europeia. “Mas certamente o número não é tudo, nem quase tudo”.
Publicado no Expresso a 12 de maio de 2014